Enuanto isso, pacientes sofrem -
e morrem - com a redução na capacidade de atendimento
Todos os meses, 80% dos pacientes com Aids na Bahia vão ao Hospital
Universitário Professor Edgar Santos (Hupes) receber tratamento. Também é lá
que se tratam de dez a 20 mil pacientes com hepatite tipos B e C. O hospital é
referência para doenças raras e atende cerca de quatro mil pessoas com doenças
congênitas e genéticas e também com câncer.
Esses pacientes deveriam poder fazer lá ressonâncias magnéticas,
endoscopias, exames de hemodinâmica e tratamento de radioterapia, por exemplo.
Eles não fazem, mas não por falta de equipamentos. Os aparelhos existem, mas,
por conta das obras na unidade — algumas sendo executadas desde 2011 — estão
encaixotados nos corredores e salas do hospital.
Em um dos corredores do térreo, o que dá acesso ao ambulatório de
infectologia – desativado para obras, como outras oito salas –, caixotes de
madeira guardam, há cerca de dois anos, um aparelho de ressonância magnética
fora de uso por falta de espaço.
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“Qualquer clínica particular hoje tem um aparelho de ressonância. Aqui,
os pacientes precisam ir para outro lugar para fazer, porque o nosso não pode
ser instalado”, aponta o médico infectologista Roberto Badaró, que trabalha há
35 anos no hospital. “Pior é o aparelho de medicina nuclear, para tratamento de
radioterapia, que também está lá parado e talvez nem sirva mais”, completa.
Outro médico, Jorge Bastos, coordenador de uma das enfermarias de
cirurgia, também fala sobre o problema. “Existe uma quantidade grande de
equipamentos novos, de última geração, que estão encaixotados, causando
prejuízo terrível para a população e para os estudantes. Tem leitos para as
enfermarias, aparelho de ressonância, de endoscopia, cardiologia...”, enumera.
Apesar do problema à vista, o vice-reitor da Ufba - a universidade ainda
administra o hospital -, Luiz Rogério Bastos, disse não saber detalhes da
situação do aparelho de ressonância. “Se isso estiver acontecendo, vamos
verificar de quem é a responsabilidade”, disse. Segundo ele, foram gastos
milhões de reais em equipamentos. “Os recursos são do Ministério da Saúde e da
Educação”, completou, sem saber especificar valores.
Segundo os médicos, a ala de cirurgia opera hoje com apenas 30% de sua
capacidade, já que o centro cirúrgico está interditado pelas obras. “Tem
semanas que a gente só tem oportunidade de fazer uma cirurgia. Temos pacientes
em situação grave, com câncer, em situações que não podem esperar”, lamenta
Jorge Bastos. As obras se desenrolam também em enfermarias, ambulatórios e em
uma UTI.
Dramas
Há 16 dias como diretor temporário do hospital, o médico Marco Aurélio Salvino ainda está tentando tomar pé da situação. A eleição para a diretoria deveria ter sido feita em dezembro de 2012, mas não aconteceu e interinos vão assumindo sucessivamente. O vice-reitor da Ufba, Luiz Rogério Bastos, disse que servidores entraram com processo de impugnação da eleição porque um dos candidatos não tinha todas as qualificações: “Eram só dois candidatos e um só não podia concorrer”.Dramas
Dramas
Há 16 dias como diretor temporário do hospital, o médico Marco Aurélio Salvino ainda está tentando tomar pé da situação. A eleição para a diretoria deveria ter sido feita em dezembro de 2012, mas não aconteceu e interinos vão assumindo sucessivamente. O vice-reitor da Ufba, Luiz Rogério Bastos, disse que servidores entraram com processo de impugnação da eleição porque um dos candidatos não tinha todas as qualificações: “Eram só dois candidatos e um só não podia concorrer”.Dramas
Com cirurgia marcada para o dia 18, para retirada de pedras nos rins, a
paciente Maria Cleuza de Jesus dos Santos, 50, se internaria no dia 17.
“Simplesmente, uma médica informou que o médico responsável pela cirurgia foi
embora para assistir ao jogo do Brasil”, disse revoltada Cleuza, que terá que
retornar no dia 30 para só então saber quando irá se internar. Ela disse que há
um ano vem tentando fazer a cirurgia, que já foi adiada outras duas vezes.
“Eles marcam a data muito longe, aí os exames perdem a validade. Essa é a
terceira vez que faço o exame”, diz.
Contraditório
Em meio ao caos e a despeito dos problemas estruturais, o tratamento feito no
hospital é elogiado pelos pacientes e por acompanhantes. “Sair de outro lugar
para vir para cá é como sair do inferno e chegar no céu. Meu pai chega aqui,
sai com o lúpus controlado. Aqui é a referência”, comenta José Carlos
Souza Santos, filho de um paciente da unidade.
Os elogios ao tratamento e ao profissionalismo da equipe, infelizmente,
não podem se estender à capacidade de atendimento. Desde o domingo, ele e
a irmã tentavam transferir o pai, José Vieira dos Santos, 92 anos, com
lúpus, da UPA de San Martin para o Hospital das Clínicas, como é conhecido o
Hupes. “Ele é paciente daqui, é idoso, cadeirante, deveria ser transferido
imediatamente, mas não conseguimos”, contou, na quarta-feira. O senhor José
Vieira não resistiu e faleceu na sexta-feira, na UPA, sem conseguir a
transferência.
“O contraditório é que o hospital tem equipes excelentes. Os
ambulatórios atendem os pacientes com atenção multidisciplinar, de gastro,
hepatologia, urologia, neurologia e com tratamento humanizado. Eles preferem (o
hospital) mesmo com as condições precárias”, avalia o infectologista Roberto
Badaró, que também é professor de Medicina na Ufba. “A gente melhora tecnologicamente
e piora com a deterioração do hospital”, afirma.
O diretor Marco Aurélio Salvino também mostra o contraditório: “Nós
somos o único hospital público do Norte e Nordeste que faz transplante de
medula óssea. Tem pessoas motivadas fazendo excelência nesse cenário de
dificuldade. Poderia ser realmente um hospital de ponta, de referência”, afirma
Salvino.
Abarrotado
Mesmo com capacidade de atendimento reduzida, o hospital continua sendo buscado por pacientes de Salvador, Região Metropolitana e até do interior. Mas não há vagas. “A maioria dos ambulatórios não tem mais consultas para o ano de 2014”, diz Roberto Badaró.
Mesmo com capacidade de atendimento reduzida, o hospital continua sendo buscado por pacientes de Salvador, Região Metropolitana e até do interior. Mas não há vagas. “A maioria dos ambulatórios não tem mais consultas para o ano de 2014”, diz Roberto Badaró.
O setor de hemodiálise, sempre cheio, é exemplo. “São quatro horas e
meia de puro sofrimento”, definiu o paciente José Erotildes Rocha, 71, sobre o
tratamento de hemodiálise. Das 17 poltronas usadas pelos pacientes, para que
uma máquina possa bombear o sangue e remover toxinas e excesso de água, apenas
três estão em perfeito estado. “As outras 14 estão quebradas”, disse o paciente
renal que há três anos vem fazendo o tratamento no hospital.
Segundo ele, são usadas cadeiras ou outros objetos para apoiar as
poltronas com defeito na posição horizontal. “É muito desconfortável. Não tem
como regular. Ficamos todos deitados. O corpo doe todo depois”, reclamou. “Tem
dias que tem briga entre pacientes para pegar as poltronas em perfeito estado”,
complementou a estudante Andrielle Carine, 21, filha de Maria da Conceição, 48,
que faz hemodiálise no HC.
“Eu já caí duas vezes. Fiquei com as pernas para o ar. Todo mundo correu
para me ajudar. Minha pressão subiu na hora e comecei a chorar de nervoso”,
relatou Marisvan Nascimento da Silva, 29, paciente há dois anos. “Estamos vendo
a hora de sentarmos no chão para fazer hemodiálise”, bradou em seguida Laura
Nobre, 66.
Além do problema das poltronas quebradas, o aparelho de hemodinâmica –
que funciona como um raio-X na localização do ponto exato para a introdução do
cateter de hemodiálise – está quebrado há mais de um ano. Outro pronto para uso
está em um dos corredores, na caixa, e os pacientes precisam sair para fazer o
exame. “Quando necessito, tenho que ir ao Ana Nery”, queixou-se outra vez dona
Laura. (Correio)