Por Agência Brasil
Foto:Divulgação/ONU
No
ano passado, a violência contra crianças em conflitos armados atingiu níveis
sem precedentes, com aumento de 25% do número de violações graves em comparação
a 2023. É o que informa o relatório
anual da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre crianças e conflitos
armados, divulgado na quinta-feira (19) pelo secretário-geral da entidade,
António Guterres. Em 2024, foram registrados 4.676 assassinatos e 7.291
mutilações, vitimando 11.967 crianças. A negação do acesso humanitário, com
7.906 incidentes, o recrutamento e uso de crianças (7.402) e o sequestro de
menores de idade (4.573) também apresentaram números extremamente preocupantes.
"Crianças
foram mortas e mutiladas, muitas vezes resultando em incapacidades permanentes,
em números alarmantes, pelo uso de munições explosivas, incluindo resíduos
explosivos de guerra, minas e dispositivos explosivos improvisados, e pelo fogo
cruzado entre as partes em conflito. Ataques a instalações civis, incluindo
escolas e hospitais, aumentaram drasticamente a vulnerabilidade das
crianças", diz o relatório. Apesar de grupos armados não estatais terem
sido responsáveis por quase 50% das violações, as forças governamentais foram
as principais perpetradoras da morte e mutilação de crianças, de ataques a
escolas e hospitais e da negação de acesso humanitário.
Os
maiores números de violações graves foram verificados no Território Palestino
Ocupado (8.554), especialmente na Faixa de Gaza, que sofre ataques massivos de
Israel; na República Democrática do Congo (4.043); na Somália (2.568); na Nigéria
(2.436) e no Haiti (2.269). Os maiores aumentos percentuais no número de
violações foram verificados no Líbano (545%), Moçambique (525%), Haiti (490%),
Etiópia (235%) e Ucrânia (105%).
VIOLÊNCIA
SEXUAL
O
número de casos de violência sexual cresceu 35%, com registro de um
"aumento drástico" dos casos de estupro coletivo, o que destaca o uso
sistemático da violência sexual como tática deliberada de guerra, enquanto
crianças eram associadas a partes em conflito ou para aumentar o controle
territorial, deslocar populações e atacar a etnia ou o gênero específico das
crianças, entre outros objetivos, diz o relatório. O documento relata que
meninas foram sequestradas para fins de recrutamento e uso, e para escravidão
sexual. "A violência sexual continua sendo amplamente subnotificada devido
à estigmatização, ao medo de represálias, às normas sociais prejudiciais, à
ausência ou à falta de acesso a serviços, à impunidade e a preocupações com a
segurança, conforme relatado em meu relatório sobre violência sexual
relacionada a conflitos."
NEGAÇÃO
HUMANITÁRIA
A
negação do acesso humanitário atingiu "escala alarmante", informa a
ONU, com mais trabalhadores humanitários mortos em 2024 do que nunca, incluindo
muitos funcionários da própria organização. "As partes em conflito
atacaram comboios e pessoal de ajuda humanitária, detiveram arbitrariamente
pessoal humanitário, restringiram atividades e movimentos humanitários,
adotaram barreiras burocráticas e administrativas e interferiram em operações humanitárias,
resultando em crianças sem acesso a cuidados de saúde, educação, proteção e
necessidades vitais", diz o relatório.
PALESTINA
E ISRAEL
As Nações Unidas verificaram 8.554 violações graves contra 2.959 crianças em Israel, com maioria esmagadora de palestinas e 15 de nacionalidade israelense. Nos territórios palestinos ocupados, incluindo Cisjordânia, Jerusalém Oriental e Faixa de Gaza, foram 8.544 violações, sendo 4.856 em Gaza, que sofre um cerco das forças militares do Estado de Israel.
"Além
disso, as Nações Unidas receberam relatos do assassinato de 4.470 crianças na
Faixa de Gaza em 2024, que aguardam verificação. Violações graves verificadas
foram atribuídas às forças armadas e de segurança israelenses (7.188),
perpetradores não identificados (43), colonos israelenses (42), perpetradores
palestinos individuais (11), forças de segurança da Autoridade Palestina (7),
Hezbollah (3) e Forças Armadas da República Islâmica do Irã (1)",
acrescenta o relatório.
As
Nações Unidas também verificaram a detenção de 951 crianças palestinas (940
meninos, 11 meninas) por supostas infrações à segurança cometidas pelas forças
armadas e de segurança israelenses na Cisjordânia (602), em Jerusalém Oriental
(259) e na Faixa de Gaza (90), incluindo a detenção pelas forças armadas e de
segurança israelenses de uma menina palestina cujo paradeiro permanece
desconhecido. Um total de 1.561 crianças palestinas (1.131 meninos e 430
meninas) foram confirmadas como mutiladas na Cisjordânia, incluindo Jerusalém
Oriental (620) e na Faixa de Gaza (941).
REPÚBLICA
DEMOCRATICA DO CONGO
No
Congo, as Nações Unidas verificaram 4.043 violações graves contra 3.418
crianças (2.217 meninos, 1.201 meninas) e 453 violações ocorridas em anos
anteriores foram confirmadas. Neste país africano, 2.365 crianças foram
recrutadas e usadas pela milícia Raia por grupos armados não estatais. A região
leste do país é palco de conflitos há décadas, com presença de diversos grupos
armados, que tem intensificado suas ações desde 2022. A região é rica em minerais,
o que tem atraído grupos armados e potências estrangeiras, gerando disputas pelo
controle de áreas e recursos.
O
conflito tem levado à movimentação em massa de civis, com milhares de pessoas
buscando refúgio em campos de deslocados internos, enfrentando condições
precárias e riscos à segurança, incluindo violência sexual e recrutamento
forçado. A morte (190) e a mutilação (248) de 438 crianças (317 meninos e 121
meninas) foram atribuídas ao M23 (244), Codeco (47), ADF (38), Nyatura (17),
APCLS (12), autores não identificados (10), Raia Mutomboki (8), Mai-Mai Zaïre
(7), Mouvement congolais de développement pour la nation (MCDPIN) (7),
FDLR-FOCA (5), 15 outros grupos armados (29), às Forças Armadas da República
Democrática do Congo (12) e à Polícia Nacional Congolesa (2). As baixas
resultaram principalmente do impacto direto das operações militares (250).
SOMÁLIA
Na
Somália, que vive uma situação de instabilidade permanente, causada por uma
guerra civil, a forte presença de grupos armados insurgentes, como o
Al-Shabaab, contribui para a insegurança e dificultam a reconstrução do país.
As Nações Unidas verificaram 2.568 violações graves contra 1.992 crianças e 50
violações ocorridas em anos anteriores. Ao todo, 595 crianças foram mortas
(141) ou mutiladas (454), a maioria por autores não identificados (296), mas
também pelo Al-Shabaab (119) e forças de segurança governamentais (70).
Violência sexual e recrutamento de crianças para grupos armados também foram
registrados.
NIGÉRIA
No
país mais populoso da África, com cerca de 200 milhões de habitantes, a
desigualdade social crônica, violência social e atuação de grupos armados
levaram à 2.436 violações graves contra
1.037 crianças (386 meninos, 651 meninas) e 269 violações graves ocorridas em
anos anteriores. Cerca de 974 crianças foram recrutadas e usadas,
principalmente após sequestro, pela Jama’atu Ahlis Sunna Lidda’Awati Wal-Jihad
(JAS), pela Província do Estado Islâmico da África Ocidental (ISWAP), Bakura
(7) e pelas Forças de Segurança Nigerianas (3). Um total de 732 crianças foram
detidas pelas Forças de Segurança Nigerianas por suposta associação delas ou de
seus pais com grupos armados. Todas foram libertadas. A morte (29) e a
mutilação (20) de 49 crianças foram atribuídas à JAS (19), ao ISWAP (19), a
perpetradores não identificados (10) e às Forças de Segurança Nigerianas (1),
incluindo casos causados por munições explosivas (33). Foram
verificados casos de violência sexual, todos envolvendo casamento forçado,
contra 419 crianças (7 meninos e 412 meninas) pela JAS (304), ISWAP (114) e
Bakura (1).
HAITI
No
Haiti, país insular do Caribe que vive instabilidade política e social há
décadas, com ações de gangues armadas, as Nações Unidas verificaram no ano
passado 2.269 violações graves contra 1.373 crianças. Em anos anteriores, foram
registradas 24 violações. O assassinato (213) e a mutilação (138) de 351
crianças foram atribuídos a diversas gangues e também à Polícia Nacional
Haitiana. Casos de violência sexual vitimaram 566 crianças (523 meninas e 43
meninos). Detenções de dezenas de crianças pelas forças de segurança e
recrutamento de menores de idade por grupos armados também foram registrados no
relatório. Fonte da Informação Agência Brasil.