Por Aratu On
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
O
Ministério Público Federal (MPF) no Rio de Janeiro reforçou nesta semana a
cobrança para que o Banco do Brasil (BB) apresente ações de reparação à
população brasileira afrodescendente. A medida funcionaria como uma indenização
pelo apoio da instituição financeira à escravidão no Brasil, no século 19. A
cobrança se deu em audiência pública realizada na última terça-feira (22/10),
comandada pelo procurador regional dos Direitos dos Direitos do Cidadão Júlio
José Araújo Junior, com representantes do Banco do Brasil, do Ministério da
Igualdade Racial (MIR) e do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania. A
atuação do MPF faz parte de um inquérito aberto contra o BB em setembro de
2023. A investigação é baseada no estudo de 14 pesquisadores de universidades
brasileiras e americanas. Eles revelaram ligações do BB com o comércio de
africanos escravizados.
Os
pesquisadores apontam que havia “vínculos diretos entre traficantes e o capital
diretamente investido em ações do Banco do Brasil”. Além disso, acrescenta que
“a instituição também se favoreceu da dinâmica de circulação de crédito
lastreada na propriedade escrava que imperou ao longo de toda a primeira metade
do século XIX”. O Banco do Brasil
reconhece que a instituição teve ligação com a escravidão e, em novembro,
emitiu um pedido público de desculpas à população negra. Apesar do
reconhecimento do BB, o MPF emitiu ao banco estatal e ao Ministério da
Igualdade Racial (MIR) recomendações para que fossem indicados recursos
específicos para as ações de reparação, assim como a definição de medidas
prioritárias, de modo que o pacto pela igualdade racial não se tornasse “mera
carta de intenções”.
“As
respostas apresentadas pelas autoridades nada trouxeram de acréscimo. A gente
ainda não teve indicações concretas dessas medidas”, criticou o procurador Júlio
Araújo no início da audiência pública. O também procurador dos Direitos do
Cidadão Jaime Mitropoulos acrescentou que o pedido formal de desculpas do BB
não é uma ação suficiente. “Medidas simbólicas não nos bastam. O pedido de
perdão, por si só, não é suficiente. A política pública que já vem sendo levada
adiante pelo próprio Banco do Brasil também não é suficiente”, declarou.
“É
necessário que a gente comece a delinear quais são, efetivamente, as reparações
que o Banco do Brasil vai propor, quais são aquelas que, em conjunto com a
sociedade, nós poderemos concretizar”, completou.
SOCIEDADE CIVIL
ORGANIZADA
Em
dezembro de 2023, o MPF abriu uma consulta pública para receber da sociedade
civil sugestões de reparação que possam ser realizadas pelo banco estatal. Foram
obtidas mais de 500 propostas, apresentadas por 37 entidades, entre elas o Movimento
Negro Unificado (MNU), a Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos
(Conaq), a União de Núcleos de Educação Popular para Negras/os e Classe
Trabalhadora (Uneafro Brasil), universidade e grupos culturais e religiosos. Algumas
das instituições que contribuíram com propostas participaram da audiência
pública desta semana. A ativista e estudante de ciências sociais Brenna
Vilanova representou o MNU do Distrito Federal e Entorno. “A gente precisa
garantir que todas as sugestões que os movimentos negros enviaram sejam
implementadas e acompanhadas, que esse plano de ação tenha prazos definidos”,
pediu.
Júlia
Mota, que participou representando o Fundo Agbara, que reúne mulheres negras,
fez uma ligação entre as desigualdades sociais atuais e a histórica
desigualdade racial. “As desigualdades sociais do Brasil têm as suas gênese na
desigualdade racial e no capitalismo racial. É de responsabilidade de um banco,
como o Banco do Brasil, atuar pelo fim de violências econômicas, oferecendo
renda básica para as populações negras, bem como um fundo de reparação para
investimentos em territórios, empreendimentos, organizações, ações de pessoas
negras, além de investimento para o desenvolvimento de territórios quilombolas
e tradicionais”, elencou.
BANCO DO BRASIL
O
Banco do Brasil foi representado na audiência pelo consultor jurídico João
Alves e pela gerente de Relações Institucionais Nívia Silveira da Mota. Eles
lembraram que o banco já realiza uma série de ações para busca da equidade
racial e de outras minorias representativas, como pessoas com deficiência. Pela
primeira vez na história, o BB é presidido por uma mulher negra, a
administradora e funcionária de carreira Tarciana Medeiros. Eles informaram que
o banco lançará no dia 4 de dezembro de 2024 uma série de ações relacionadas
com a reparação à população negra. No entanto, acrescentarem que parte das
propostas sugeridas pela sociedade civil não pode ser realizada pelo banco, por
estarem fora da alçada de atuação. Um exemplo, citou Alves, é o pagamento de
renda básica, que depende de iniciativas e orçamento autorizado pelo Congresso
Nacional.
Nívia
Mota destacou que a instituição leva em consideração as demandas propostas, e
que dez diretorias do banco participam da elaboração do plano de ação. “Estamos
tentando traduzir e levar para o nosso plano de ação, com o máximo de
aproximação que pudermos fazer, considerando o orçamento que for
disponibilizado”, afirmou ela, acrescentando que foram realizadas oficinas,
escutas e consultas a pesquisadores e estudantes da temática racial. O
consultor jurídico do BB avalia que acreditar que apenas uma única instituição,
por maior que seja, vai resolver o problema de exclusão de afrodescendentes ou
outras populações excluídas é “fora da realidade”. “A avaliação que a gente tem
é que precisamos unir forças”, disse. “O banco não é o melhor, é uma das
instituições que têm tecnologia, tradição e intervenção suficiente para ajudar
outras instituições”, completou, enfatizando a entonação da expressão “uma
das”.
MINISTÉRIOS
O
Ministério da Igualdade Racial foi representado pela coordenadora de Ações
Governamentais, Isadora de Oliveira Silva. Ela informou que o MIR ainda não tem
pronto um plano de ação e que está comprometido em ouvir a sociedade para
elaborar as medidas. “O pacto teve momentos de escuta da sociedade civil, como
de outros órgãos públicos e diferentes parceiros para coletar subsídios,
sugestões para esse conteúdo do pacto. É isso que está passando por
sistematização”, disse.
A coordenadora-geral de Erradicação do Trabalho Escravo, Andreia Figueira Minduca, representou o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania. Ela explicou que, na pasta, as contribuições para o pacto pela igualdade racial são tratadas em conjunto pela Coordenação-Geral de Memória e Verdade da Escravidão e do Tráfico Transatlântico de Pessoas Escravizadas. Ela afirmou que o tema reparação é transversal a outros problemas atuais do país, como a existência do trabalho escravo doméstico, que tem as mulheres negras como 92% das vítimas. “Que esses processos venham, a cada dia, somar e tentar garantir o mínimo de dignidade para trabalhadoras e trabalhadores”, disse. Informação Aratu On.