Por Clóvis Gonçalves
A
comissão de juristas responsável pela revisão e atualização do Código Civil
promove no Senado, na próxima semana, entre 1º e 5 de abril, esforço
concentrado para votar o relatório final com propostas de alteração em mais de
mil artigos e sobre temas de difícil consenso, como direito da família, dos
animais e de propriedade. Um dos pontos
que levanta polêmica no campo conservador, por exemplo, diz respeito ao direito
do nascituro - o feto em gestação. O texto de um dos relatórios apresentados em
fevereiro, com um anteprojeto de proposta final, diz que os direitos antes do
nascimento são protegidos “para efeitos deste Código Civil”. A expressão, que aparenta limitar o alcance
dos direitos do nascituro, foi usada para alimentar notícias falsas, sobretudo
em círculos católicos e de direita, de que a comissão de juristas estaria
tentando facilitar o aborto, aponta o professor e jurista Flávio Tartuce, um
dos relatores da reforma do Código Civil.
“Não
tratamos de aborto no projeto”, enfatizou Tartuce à Agência Brasil. Ele nega
motivações ideológicas na comissão de juristas e assegura que o trabalho é
técnico. O professor destaca que ainda não há relatório final aprovado e que
muitas emendas e destaques já foram feitos ao anteprojeto apresentado em fevereiro. Ele acrescenta que “o Código Civil sempre
motiva debates, você lida ali com a vida do cidadão desde antes do nascimento
até depois da morte, é normal haver discordâncias. Mas há também as polêmicas
promocionais, de pessoas que querem se promover, e entre essas a grande maioria
não leu nada”. Organizações como a União
de Juristas Católicos chegaram a publicar manifestações contrárias a toda
iniciativa de revisão do Código Civil. “A proposta não é uma mera ‘atualização’
– que pressuporia apenas ajustes pontuais em um código relativamente novo, com
pouco mais de 20 anos de vigência, mas a refundação da própria visão de
sociedade, de pessoa e de família que normatiza a nossa nação”, disse a
entidade, em nota.
Em resposta, Tartuce nega que proponha um "Novo Código Civil", tratando-se de uma "atualização". Ele afirma que a comissão de juristas “está muito longe de querer criar polêmicas ou trazer uma revolução de costumes. Nossa prioridade é destravar a vida das pessoas, ajudar a resolver os problemas”. O primeiro Código Civil brasileiro, com essa denominação, data de 1916. Ele foi substituído pelo código atual, que entrou em vigor em 2002, após quatro décadas de discussões. Alguns críticos pontuam que o código atual tem somente 22 anos, motivo pelo qual seria cedo para promover uma revisão. A esse argumento, Tartuce lembra que a velocidade das mudanças na sociedade cresce de modo exponencial, com transformações especialmente intensas ao longo das últimas décadas. Quando o Código Civil atual foi aprovado, por exemplo, sequer havia smartphones no país. “O código atual é analógico, é preciso trazê-lo para o mundo digital”, acentua o professor. A criação de uma Comissão de Juristas para revisar o Código Civil partiu do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Após ser questionado por senadores conservadores, ele defendeu a iniciativa no plenário da Casa, afirmando que o objetivo não é elaborar um “novo Código Civil”, mas preencher lacunas no código atual. “É um trabalho totalmente independente. A decisão final é do Parlamento”, disse.
A Comissão de Juristas é presidida pelo ministro Luis Felipe Salomão, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), e composta por 36 juristas especializados no assunto. Os relatores são o professor Flávio Tartuce, e a desembargadora Rosa Maria de Andrade Nery. O grupo recebeu 180 dias de prazo para apresentar a Pacheco um projeto de lei com as novas propostas para o Código Civil. Esse prazo vence em 12 de abril. Com mais de 2 mil artigos, o Código Civil regula todos os direitos relativos à personalidade do indivíduo e às relações em sociedade, incluindo temas como casamentos, contratos, heranças e direitos das empresas, entre muitos outros. Em artigo célebre, o jurista Miguel Reale descreveu a lei como “a Constituição do homem comum”.
MUDANÇAS
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Logo no artigo 1º, um dos relatórios parciais já apresentados propõe um novo
parágrafo para inserir no Código Civil os direitos e deveres previstos em
tratados internacionais aderidos pelo Brasil, a chamada “personalidade jurídica
internacional”.
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No artigo 2º, o texto da relatoria-geral propõe inserir a previsão de que a
personalidade civil “termina com a morte encefálica”, o que é visto como uma
tentativa de facilitar a doação de órgãos, por exemplo.
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Outra proposta prevê que os animais passem a ser considerados “objetos de
direitos” de natureza especial, na condição de “seres vivos dotados de
sensibilidade e passíveis de proteção jurídica”. O ponto traz para o Código
Civil interpretações que já tem sido feitas no dia a dia do Judiciário, que
precisa lidar, por exemplo, com a tutela de bichos de estimação no caso de
separação de casais.
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No livro de direito de família foi proposta a mudança de nome para "das
famílias", no plural. Foi proposta também a criação de uma nova figura
jurídica, chamada de “convivente”, além do “cônjuge”, para descrever as uniões
estáveis.
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Relatório parcial prevê a exclusão do cônjuge ou convivente como herdeiro
necessário. Isso significa que o companheiro ou companheira pode ser excluído
da herança, sendo obrigatório somente descendentes e ascendentes entre os
herdeiros. Segundo justificativas de membros da comissão, a intenção é
atualizar o Código Civil em relação aos relacionamentos muito mais fluidos na
atualidade.
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Uma das propostas é a inserção de um livro novo no Código Civil, para tratar de
direito digital. Alguns dos artigos, por exemplo, preveem a validade das
locações por meio de aplicativo, como de carros, quartos ou casas. Outro ponto
é a regulação das assinaturas eletrônicas.
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O Código Civil atual prevê que todos que possuem alguma propriedade têm o
direito de manter a posse sobre ela em caso de turbação ou esbulho, e de ter
essa posse protegida. Uma das propostas apresentadas prevê que esses direitos
poderão ser exercidos também coletivamente, "em caso de imóvel de extensa
área que for possuído por considerável número de pessoas”. (Informação Agencia
Brasil)