Por g1/Fantástico
Novelas passaram a indicar o Ligue 180, ao final dos episódios que retratavam violência..Foto: Reprodução Fantástico
O
Brasil enfrenta uma realidade assustadora de violência contra a mulher, conforme
revelam dados inéditos da maior Pesquisa Nacional de Violência contra a Mulher.
O Fantástico, da TV Globo, teve acesso exclusivo aos números que traçam um
perfil da agressão no país e destacam a urgência do combate a essa crise. O
levantamento acontece no momento em que o "Ligue 180", a Central de
Atendimento à Mulher, completa 20 anos de funcionamento. Os números da
pesquisa, realizada pelo Instituto DataSenado e que entrevistou cerca de 22 mil
brasileiras (21.641) este ano, impressionam. Cerca de 71% das violências são
testemunhadas por alguém, sejam crianças ou adultos. O coordenador do Instituto
DataSenado, Marcos Ruben de Oliveira, ressalta que grande parte dessas
testemunhas são os próprios filhos da mulher agredida. Outro dado chocante é que
40% das testemunhas adultas não tomam nenhuma atitude para ajudar no momento da
agressão.
A
pesquisa também mostra uma mudança na percepção das agressões. Até 2021, a
maioria dos casos declarados era de violência física. Contudo, a violência
psicológica passou a ser a mais relatada e percebida desde então. No resultado
mais recente, 88% das mulheres relataram ter vivido violência psicológica em
algum momento da vida. Cerca de 70% das vítimas buscam ajuda primeiro na
família, enquanto apenas 3 em cada 10 procuram uma delegacia (comum ou "da
Mulher"), geralmente quando a violência atinge um patamar insuportável.
O
Ligue 180 é a principal porta de entrada para a denúncia e o acolhimento. Em
duas décadas, a Central prestou mais de 16 milhões de atendimentos. Nos dez
primeiros meses de 2025, o número de ligações para o serviço subiu 33% em
comparação com o mesmo período do ano passado. Segundo a coordenadora-geral do
180, Ellen Costa, esse aumento demonstra que muitos casos estavam
subnotificados. Ela aponta que mulheres que sofriam violência há mais de cinco
ou dez anos conseguiram força para romper com o ciclo e confiar no serviço.
"Quando
ela decide ligar e fazer uma denúncia, é um grande passo que ela está dando
para sair dessa situação de violência. E a partir do momento que ela deu esse
passo, nós aqui do outro lado precisamos estar preparados para atender, para
acolher, para não julgar, para dizer que aqui do outro lado tem mulheres que
vão ser como se fossem suas amigas", conta Ellen Costa, coordenadora-geral
do 180.
DRAMATURGIA INCENTIVA VÍTIMAS DENUNCIAR
Para
dar voz aos relatos que chegam à Central, a produção do Fantástico convidou
três atrizes brasileiras para emprestarem seus rostos e vozes para depoimentos
reais. Giovanna Lancellotti, Sheron Menezes e Bianca Bin leram denúncias que
detalham a crueldade dos agressores (veja no vídeo acima). “Ele me agrediu
bastante, mesmo quando eu estava grávida”, “quando eu tive a bebê, ele pegou e
deu um chute na minha cesárea”.
A
dramaturgia tem funcionado como um importante incentivo para as vítimas. As
atrizes viveram ou vivem, na ficção, cenas de abusos e agressões, ajudando
mulheres a se enxergar como vítimas ao assistirem à TV. Sheron, que interpretou
a Sol em 'Vai na Fé', disse que sua personagem ajudou mulheres a entenderem que
'aquilo que sofreram, era um abuso'. Em 'Dona de Mim', Giovanna lembrou que,
após as cenas de assédio e estupro de sua personagem, a TV Globo exibia o aviso
do 180. E Bianca, protagonista de 'O Outro Lado do Paraíso' em 2017, afirmou
carregar com honra a função social de sua personagem, que ajudou a enaltecer a
importância do canal de denúncia.
Ligue
180
A Central Ligue 180 funciona 24 horas por dia, todos os dias da semana, de Brasília, e o número é gratuito. Qualquer pessoa pode ligar para denunciar ou buscar informações sobre todos os tipos de violência. A vítima que liga é acolhida por outras mulheres "que são qualificadas em violência de gênero", como conta a coordenadora Ellen Costa. O objetivo é atender de forma humanizada, acolhedora e sem julgar. Para proteger quem cuida, o Ligue 180 dispõe de oito psicólogas que se revezam em turnos, oferecendo apoio psicológico para as atendentes. Muitas delas são sobreviventes de violência de gênero, como uma atendente que sofreu violência patrimonial e psicológica do ex-marido. Além disso, o serviço protege os dados das mulheres, depoimentos e denúncias. A partir de julho de 2024, o 180 implementou a tecnologia blockchain, adicionando uma nova camada de proteção que torna “extremamente difícil, impossível de você hackear, invadir e mudar as informações”, relata a gerente-geral Jaqueline Sutarelli.
A
hotline encaminha as denúncias, principalmente as que envolvem violência
doméstica e familiar (Lei Maria da Penha), para os órgãos de apuração nos
estados. A Central busca as delegacias especializadas ou as delegacias comuns,
caso as primeiras não existam. O serviço também cobra uma resposta e acompanha
o fluxo da denúncia junto ao Ministério Público, verificando se a mulher
conseguiu medida protetiva, atendimento psicológico ou serviços de autonomia
econômica. O objetivo é garantir que a vítima não seja perdida na trajetória de
rompimento do ciclo de violência.
A violência contra a mulher é considerada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como uma das crises de direitos humanos mais persistentes e negligenciadas do mundo. O relatório indica que o índice de agressões não cai há 20 anos, e que uma em cada três mulheres já sofreu violência sexual por parte de um parceiro íntimo ao longo da vida. O Ligue 180 é a porta para a liberdade, mas é crucial lembrar: se a vítima estiver sendo ameaçada de morte ou for uma emergência, é necessário ligar para o 190, a Central de Atendimento da Polícia Militar. Fonte: g1/Fantástico.