Por Bahia Notícias
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Bahia Notícias O Tribunal Regional do
Trabalho da 5ª Região (TRT-BA), através da 1ª Turma, manteve a decisão que
reconheceu a existência de vínculo de emprego doméstico entre uma mulher e um
casal de Salvador, com quem ela viveu desde os seis anos de idade. A corte entendeu
que a relação não configurava "adoção" ou "filha de
criação", mas sim trabalho doméstico infantil e adolescente. O casal foi
condenado ao pagamento de R$ 50 mil por danos morais, valor reduzido de R$ 100
mil fixado em primeira instância. Cabe recurso. De acordo com o processo, em
2000, uma menina de seis anos, natural do interior de Lamarão, região do sisal,
foi levada para Salvador para morar com o casal. Inicialmente, ela iria
auxiliar o patrão, que havia sofrido um acidente, mas passou a viver de forma
definitiva no local. Em 2003, o casal obteve sua guarda judicial.
A
mulher relatou que, a partir de então, passou a realizar tarefas domésticas,
sendo orientada por outras empregadas. Sua rotina incluía acordar às 4h para
preparar o café da manhã da família. Ela estudava em turnos variados, e o
período na escola era seu único momento de descanso entre os afazeres, que se
estendiam até a noite. Aos 15 anos, com o nascimento do neto dos patrões, foi
obrigada a interromper os estudos para cuidar da criança. Só concluiu o ensino
médio aos 24 anos, por meio de supletivo. Em 2020, ao questionar sua situação,
foi expulsa de casa.
Em
defesa, os patrões afirmaram que a tratavam "como uma filha".
Disseram que a mãe biológica a entregou à família, que a recebeu com
"apenas a roupa do corpo e uma sandália nos pés". Alegaram que a
jovem não precisava acordar cedo, frequentava a escola, brincava e fez um curso
técnico de enfermagem pago por eles. Atribuíram uma mudança em seu
comportamento ao início de um namoro em 2018.
A
juíza Viviane Martins, da 12ª Vara do Trabalho de Salvador, considerou o
testemunho de terceiros, que comprovaram que a mulher nunca foi integrada à
família como filha ou irmã. Uma testemunha disse que a mulher passou a ser
vista como um peso pela família "pela sua presença sem a realização das
atividades domésticas". O "irmão" de criação, segundo a
magistrada, "tomou as rédeas" e decidiu expulsá-la, sem se preocupar
com seu destino. Outra testemunha, amiga da dona da casa há mais de 15 anos,
sequer lembrava o nome da jovem.
A
juíza fez um paralelo com um relato da pesquisadora Grada Kilomba, que aos 12
anos foi convidada para acompanhar uma família em férias, mas, na prática, para
prestar serviços domésticos. Para a magistrada, a menina negra deixou de ser
vista como criança e passou a ser tratada como "corpo disponível para o
trabalho". Em primeira instância, foi determinado o reconhecimento do
vínculo de emprego, com anotação na Carteira de Trabalho, pagamento de salários
devidos e indenização por danos morais de R$ 100 mil.
Ao
analisar o recurso dos patrões, a relatora do caso no TRT-BA, juíza convocada
Dilza Crispina, destacou que a prática de "adoção" de meninas do
interior por famílias urbanas, sob promessa de educação, é comum no Brasil.
"Essas crianças acabam submetidas a precárias relações de trabalho
doméstico infantil que perpassam aspectos relacionados à herança
colonialista/escravista", afirmou.
A
relatora manteve o reconhecimento do vínculo empregatício, reforçando que a
mulher nunca foi integrada à família. No entanto, considerou que o valor
inicial da indenização ultrapassava a capacidade econômica dos patrões e o
reduziu para R$ 50 mil. A decisão foi unânime quanto ao vínculo de emprego e
por maioria quanto ao valor da indenização. Fonte: Bahia Notícias.