Por Metro1
Foto: Divulgação/Foto: Divulgação/Por: Jairo Costa Jr. no dia 21 de outubro de 2025 às 11:58
Uma série de decisões judiciais envolvendo um candidato inicialmente
reprovado no primeiro e único concurso público para outorga de cartórios de
notas e registros, cuja mãe é desembargadora do Tribunal de Justiça da Bahia
(TJ), colocou sob suspeita a lisura da seleção pelo controle das chamadas
serventias extrajudiciais, especialmente, as de alta lucratividade e
rendimento. O personagem central desse enredo é o advogado Ricardo Fragoso
Modesto Chaves, filho da desembargadora Lícia Pinto Fragoso Modesto, integrante
da 3ª Câmara Cível do TJ. Embora tenha obtido nota muito abaixo do mínimo
exigido no certame, Ricardo Modesto acabou nomeado, por determinação do próprio
tribunal onde a magistrada atua, como delegatário do cobiçado 1º Registro de
Imóveis de Vitória da Conquista.
ABAIXO DA META
Segundo
apurou a Metropolítica, o filho da desembargadora Lícia Modesto obteve apenas
2,39 pontos na segunda etapa do concurso. Com isso, foi eliminado por não
alcançar a nota mínima exigida de 5,0 pontos, mas ingressou com recurso
administrativo junto ao Centro Brasileiro de Pesquisa em Avaliação e Seleção e
de Promoção de Eventos (Cebraspe), que organizou a seleção realizada em 2013,
quando ainda se chamava Cespe. No entanto, a entidade rejeitou o pedido de
Ricardo Modesto e manteve a nota zero atribuída a ele na prova prática, sob
alegação de fuga ao tema. Diante da recusa, o advogado ajuizou ação na 7ª Vara
da Fazenda Pública de Salvador, na qual pediu nova correção e a suspensão do
concurso até que sua prova fosse reavaliada. É aí que as suspeitas que recaem
sobre sua nomeação recente começam a tomar forma.
NADA DE NOVO
O
pedido em caráter liminar foi apreciado pelo TJ por meio de um agravo de
instrumento interposto na corte em 2016. O tribunal, então, determinou nova
correção da prova prática e afastou o fundamento de fuga ao tema, mas
condicionou a eventual reabilitação de Ricardo Modesto ao concurso à obtenção
da nota mínima. Após a recorreção, a nota do advogado subiu para 4,8, pontuação
ainda insuficiente para que ele fosse aprovado. Mesmo assim, o filho da
desembargadora apresentou sucessivos recursos à Justiça, que entendeu haver
inovação indevida nos pedidos do candidato, ao tentar introduzir novas
alegações e pleitos que não constavam na petição inicial. A sentença foi
julgada parcialmente procedente, contudo, apenas confirmando a nova correção já
realizada e reafirmando que o Poder Judiciário não pode substituir a banca
examinadora, conforme precedente de repercussão geral fixado já fixado pelo
Supremo Tribunal Federal (STF).
CAVALO DE PAU
Inconformado,
Ricardo Modesto interpôs apelação, no qual pleiteou que o próprio Tribunal de
Justiça atribuísse pontuação adicional aos itens da prova pedido que não
constava da ação original. A 1ª Câmara Cível do tribunal rejeitou o pedido e
manteve a sentença, por entender que o juiz de primeiro grau havia julgado a
causa dentro dos limites da legislação, conforme determinam os artigos 141 e
492 do Código de Processo Civil (CPC). Entretanto, a reviravolta veio através
da análise dos embargos de declaração apresentados pelo advogado. O Plenário
Virtual da 1ª Câmara Cível rejeitou mais uma vez o recurso do candidato, mas
reconheceu, em decisão de ofício - ou seja, por decisão monocrática de um dos
integrantes do colegiado -, uma suposta nulidade parcial da decisão anterior e,
de forma inédita e sem respaldo em pedido formal, dobrando a pontuação
originalmente concedida pela banca a um dos itens da prova.
MILAGRE DO CRESCIMENTO
A
decisão da 1ª Câmara Cível alterou a nota final de Ricardo Modesto para 6,0
pontos, garantido que ele fosse aprovado e convocado para as fases seguintes do
concurso. Contultados pela coluna, juristas e lideranças de associações que
representam os delegatários de cartórios privatizados na Bahia por lei em
setembro de 2011 apontam que a decisão viola frontalmente os limites da demanda
judicial, uma vez que o tribunal concedeu pontuação e resultado favorável sem
que houvesse pedido nesse sentido. O que contraria expressamente o CPC. Além
disso, o ato foi considerado pelas fontes ouvidas como uma afronta ao
entendimento fixado pelo STF, que veda a interferência do Judiciário no mérito
da correção de provas de concurso público.
SÓ NA MULTIDÃO
Mesmo
após o encerramento do concurso para os demais candidatos, Ricardo Modesto
prosseguiu isoladamente nas etapas seguintes e acabou classificado na 100ª
posição. Em 15 de outubro de 2025, o Diário da Justiça da Bahia publicou a
escolha do advogado para o Cartório de Registro de Imóveis do 1º Ofício de
Vitória da Conquista, uma das serventias mais lucrativas do estado e que, segundo registros, não havia sido
disponibilizada aos candidatos mais bem classificados. Tal indício reforçou a
desconfiança de irregularidade e prejuízo direto aos concorrentes que o
antecederam. Vale lembrar que o antigo delegatário do cartório de Conquista,
Carlos Bramont, foi flagrado cobrando propina para emitir documentos fraudados
e acabou condenado em 2018 a nove anos de prisão por integrar um esquema de
tráfico internacional de armas de fogo.
PULGA NA ORELHA
O
caso se tornou ainda mais delicado diante do fato de que Ricardo Modesto é
filho de uma desembargadora do próprio tribunal que proferiu a decisão. A
condição de familiar direto de membro da corte vem alimentando suspeitas de
favorecimento e quebra dos princípios da impessoalidade e moralidade
administrativa. Diante do cenário, a Associação Nacional de Defesa dos
Concursos para Cartórios (Andecc) ajuizou uma ação rescisória para tentar
anular a decisão que beneficiou o advogado. No entanto, o TJ extinguiu
liminarmente a ação, sob o argumento de que a entidade não possui legitimidade
para propor tal demanda, apesar de sua finalidade institucional incluir a
defesa da legalidade e moralidade nas seleções públicas de outorga de
delegações notariais e registrais.
FIO DA SUSPEITA
Para
especialistas, o episódio expõe um grave precedente de insegurança jurídica e
violação de princípios constitucionais. Mais do que isso. Para as fontes
consultadas, a decisão coloca em xeque a transparência, a isonomia e a
credibilidade do sistema de concursos públicos, com notório desequilíbrio de tratamento
entre os candidatos especialmente quando o beneficiário tem vínculo de
parentesco direto com membro do tribunal responsável pela decisão. “Quando um
tribunal concede, sem pedido, uma nota que altera o resultado de um concurso
ainda mais em benefício de um parente de magistrado, fere-se a confiança no
sistema e na imparcialidade da Justiça”, avaliou um especialista ouvido de
forma reservada.
CASO OU ACASO?
Em
tempo: a desembargadora Lícia Modesto é a relatora de outro caso rumoroso
noticiado recentemente pelo portal Metro1 e pautado para ser julgado hoje pelo
Pleno do TJ, a apenas três dias de sua aposentadoria. A questão envolve a
súbita mudança de foro do processo de recuperação judicial do Grupo Metha (antiga
OAS) da Bahia para São Paulo, cujo desfecho pode travar o pagamento de direitos
trabalhistas para 1,7 mil trabalhadores da construção civil no estado, todos
ex-empregados da construtora que esperam há anos pela indenização fruto do
acordo judicial da empreiteira com credores. Fonte da Informação Metro1.