Por Aratu On
Dois dos três principais circuitos do Carnaval de Salvador levam os nomes deles: Dodô e Osmar, conhecidos como os pais do trio elétrico, um dos maiores símbolos do Carnaval de Salvador. E neste ano de 2025, que marca os 40 anos de axé music, a folia momesca também celebra os 75 anos dessa invenção icônica. Há controvérsias, no entanto, quanto a esse aniversário. Isso porque a Fóbica o Ford T modificado que ficou conhecido como o primeiro trio elétrico desfilou pela primeira vez no Carnaval de Salvador no ano de 1951. Assim, são 74 anos, e não 75.
Fóbica foi o primeiro trio elétrico. Foto: Acervo | Armandinho Dodô e Osmar
Para
saber mais sobre a história do trio elétrico, o Aratu On ouviu o jornalista
Nelson Cadena, especialista em Carnaval e autor do livro "História do
Carnaval da Bahia: 130 anos do Carnaval de Salvador"; o músico Armandinho,
filho de Osmar Macedo e mestre da guitarra baiana; e Carlos José, mais
conhecido como Carlinhos de Dodô, neto de Antônio Adolfo do Nascimento, o Dodô,
responsável pela engenhosidade do primeiro trio elétrico.
O
INÍCIO
Segundo
Carlinhos, Dodô era "pupilo e mestre" de Osmar. Dodô tinha 25 anos e
já tocava com Dorival Caymmi quando conheceu o virtuoso Osmar, então com 15.
Resumidamente, o primeiro, que era luthier (constrói instrumentos), fez a
réplica de um violão para si mesmo e um cavaquinho para Osmar. Ficaram
conhecidos como "Dupla Elétrica".
Em
1951, então, a dupla adaptou um Ford 1929 da família Macedo, colocando
instrumentos "eletrificados". Os paus elétricos (antecessores da
guitarra baiana) foram ligados na bateria do carro que desfilou pelas ruas de
Salvador, atraindo diversas pessoas. Quando um terceiro amigo, Temístocles
Aragão, se juntou a Dodô e Osmar, eles ficaram conhecidos como "Trio
Elétrico". Ou seja, o nome do grupo simbolizou, posteriormente, a invenção
e suas atualizações.
Segundo
o jornalista Nelson Cadena, Dodô e Osmar trouxeram duas grandes inovações: a
amplificação do som e a criação da guitarra baiana. “Eles quebraram um violão e
fizeram adaptações tecnológicas para criar o som que seria amplificado pelas
cornetas. A partir daí, surgiram outros trios, já não mais na Fóbica. Os
próprios Dodô e Osmar passaram a sair numa caminhonete e, posteriormente, em
caminhões”, explica Cadena.
A
visão comercial do trio elétrico veio na década de 1970, com Orlando Campos,
mais conhecido como Orlando Tapajós. De acordo com Cadena, ele foi responsável
por expandir os trios elétricos para além da Bahia. “Ele começou a adaptar
caminhões para a festa, criando os trios em veículos maiores, muitas vezes
contratados por políticos do interior da Bahia e de outros estados para
divulgar seus nomes. Os trios elétricos passaram a circular por São Paulo, Rio
de Janeiro, Belo Horizonte, Curitiba e Recife, tornando-se um fenômeno
nacional.”
No
entanto, o trio elétrico não teve, de imediato, grande repercussão na mídia.
“Fazia sucesso na avenida, o público gostava, mas a cobertura dos jornais era
voltada para escolas de samba e clubes. Isso começou a mudar com Caetano
Veloso, que compôs músicas específicas para o trio, como 'Atrás do Trio
Elétrico', e atraiu a atenção da imprensa nacional”, acrescenta o jornalista.
Após
o exílio em Londres, Caetano voltou ao Brasil como uma personalidade de
destaque e foi um "grande promoter" do Carnaval da Bahia, na época.
Tanto que um dos mais de 40 trios construídos por Orlando Campos foi a famosa
Caetanave, em homenagem ao filho de Dona Canô. "Orlando ganhou muito
dinheiro com essa inovação, mas também gastou tudo", comenta Cadena.
AS
VOZES DO TRIO ELÉTRICO
Mais novidade estava por vir. Também nos anos 70, Moraes Moreira e Baby (então Consuelo, hoje 'do Brasil'), da banda Novos Baianos, tornaram-se os primeiros cantores de trio elétrico. "Moraes trouxe a inovação do cântico. Antes, o trio elétrico era puramente instrumental. As pessoas compravam os discos, decoravam as músicas e até cantavam, mas no trio elétrico ainda não era possível cantar", explica Nelson Cadena. "Eles utilizaram um equipamento especial para isso, permitindo que, pela primeira vez, os baianos ouvissem vozes saindo dos trios elétricos. Foi um sucesso que não parou mais", acrescenta o jornalista, destacando ainda a saída de Moraes do grupo e se juntando a Dodô e Osmar. Cabe ressaltar que a música cantada já existia nos blocos afro, mas não no trio elétrico. Os outros blocos, como Internacionais e Coruja, eram formados por orquestras de música instrumental.
Dodô e Osmar, os inventores do trio elétrico. Foto: Reprodução Documentário “60 anos de trio elétrico”
O
ORGULHO DE ARMANDINHO
Ser
filho de um dos inventores do trio elétrico é motivo de orgulho para
Armandinho, que seguiu os passos do pai e se tornou o maior expoente da
guitarra baiana. "Eu fui movido pela música e criado tendo como mestre o
meu velho Osmar, por isso o orgulho e a satisfação são imensas", afirma.
Ele reforça que o pai e Dodô tiveram uma importância fundamental na vida dele. "Me
ensinaram a criar instrumentos, a desenvolver esse instrumento criado por eles,
que originou o trio elétrico. Instrumento tocado por meu pai de uma forma
contagiante e que dei o nome de guitarra baiana", conta. "Valorizou
muito mais a música que a gente faz aqui, que é a música "trieletrizada",
completa.
Armandinho
lembra que, na infância, adorava contar para os colegas de escola que seu pai
era um dos criadores do trio elétrico, embora poucos acreditassem. Até quando
trabalhou na Rede Tupi de Televisão e quis levar o trio elétrico para o Rio de
Janeiro, desdenhavam. "Que! Seu pai inventou nada. Vai dizer que inventou
a baiana de acarajé também?", lembra.
"Não
era uma coisa entendida, ainda, historicamente. E a gente fez isso. A gente
conseguiu levar, a partir da música de Caetano Veloso, 'Atrás do Trio Elétrico
só não vai quem já morreu'. Caetano era a grande revelação da música jovem
nesse momento, em 1969. Isso daí deu força pra gente", acrescenta.
Em
1974, Osmar conseguiu patrocínio para o trio elétrico, para que os filhos se
apresentassem, agora como banda, que teve como parceiro Moraes Moreira.
"Abre esse portal para os outros seguidores que já acompanhavam a
gente", conta.
A
EVOLUÇÃO DO TRIO
"O
trio era o que havia de mais novo na tecnologia sonora desses instrumentos
criados por Dodô e Osmar, esses instrumentos maciços que projetavam o som à
distância. Dodô, o gênio da eletrônica, que fazia amplificação e a captação, e
meu pai sempre elaborando com ele, com a música. Dois caras geniais",
declara Armandinho. "A partir daí o trio só cresce. Agora os trios têm
leds, sons e tudo o que tem de mais moderno. Até a minha guitarra, não paro de
reformar e adicionar elementos novos da tecnologia", revela.
"O
trio elétrico é a grande escola de todos esses artistas que estão aí
hoje", completa o músico. Por isso, para ele, a essência do Carnaval
baiano deve ser preservada. "O Carnaval tem que vir do chão da Bahia, do
povo. Não podemos perder essa identidade trazendo atrações que não representam
nossa cultura", defende.
DODÔ:
O PRETO INVENTOR
"Dodô
era um gênio da eletrônica. Foi uma sumidade. Salvador tem um preto inventor.
Ele foi o responsável por desenvolver as inovações que permitiram a
amplificação do som", destaca Carlinhos. "Sem a musicalidade e a
inventividade deles, o trio elétrico não teria se tornado o que é hoje.
Precisamos valorizar essa história e garantir que as novas gerações a
conheçam", frisa o neto.
Para Carlinhos, "o trio elétrico é um dos maiores presentes que Salvador deu para o entretenimento mundial" e, por isso, a história de Dodô precisa ser contada com relevância. "Dodô era luthier, artesão, construía móveis, engenhocas, era metalúrgico, inventor, músico. Um negro multifacetado", conclui. Fonte: Aratu On