Por Clóvis Gonçalves
Por
maioria, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) negou provimento ao
Recurso Extraordinário (RE) 658312, com repercussão geral reconhecida, e firmou
a tese de que o artigo 384 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) foi
recepcionado pela Constituição da República de 1988. O dispositivo, que faz
parte do capítulo que trata da proteção do trabalho da mulher, prevê intervalo
de no mínimo 15 minutos para as trabalhadoras em caso de prorrogação do horário
normal, antes do início do período extraordinário. O RE foi
interposto pela A. Angeloni & Cia. Ltda. contra decisão do Tribunal
Superior do Trabalho (TST) que manteve condenação ao pagamento, a uma
empregada, desses 15 minutos, com adicional de 50%. A jurisprudência do TST
está pacificada no sentido da validade do intervalo.
A
argumentação da empresa era a de que o entendimento da Justiça do Trabalho
contraria dispositivos constitucionais que concretizam a igualdade entre homens
e mulheres (artigos 5º, inciso I, e 7º, inciso XXX) e, conseqüentemente, fere o
princípio da isonomia, pois não se poderia admitir tratamento diferenciado
apenas em razão do sexo, sob pena de se estimular a discriminação no trabalho.
No julgamento, realizado nesta quinta-feira, a Associação Brasileira de
Supermercados (Abras) e a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) atuaram na
condição de amici curiae, seguindo a mesma linha de fundamentação da empresa.
Relator
O ministro
Dias Toffoli, relator do RE, lembrou que o artigo 384 faz parte da redação
original da CLT, de 1943. “Quando foi sancionada a CLT, vigorava a Constituição
de 1937, que se limitou, como na Constituição de 1946, a garantir a cláusula
geral de igualdade, expressa na fórmula ‘todos são iguais perante a lei’”,
afirmou. “Nem a inserção dessa cláusula em todas as nossas Constituições, nem a
inserção de cláusula específica de igualdade entre gênero na Carta de 1934
impediram, como é sabido, a plena igualdade entre os sexos no mundo dos fatos”.
Por isso,
observou o ministro, a Constituição de 1988 estabeleceu cláusula específica de
igualdade de gênero e, ao mesmo tempo, admitiu a possibilidade de tratamento
diferenciado, levando em conta a “histórica exclusão da mulher do mercado de
trabalho”; a existência de “um componente orgânico, biológico, inclusive pela
menor resistência física da mulher”; e um componente social, pelo fato de ser
comum a chamada dupla jornada – o acúmulo de atividades pela mulher no lar e no
trabalho – “que, de fato, é uma realidade e, portanto, deve ser levado em
consideração na interpretação da norma”, afirmou.
O voto do
relator ressaltou que as disposições constitucionais e
infraconstitucionais não impedem que ocorram tratamentos diferenciados, desde
que existentes elementos legítimos para tal e que as garantias sejam
proporcionais às diferenças ou definidas por algumas conjunturas sociais. E,
nesse sentido, avaliou que o artigo 384 da CLT “trata de aspectos de evidente
desigualdade de forma proporcional”. Ele citou o prazo menor para
aposentadoria, a cota de 30% para mulheres nas eleições e a Lei Maria da Penha
como exemplos de tratamento diferenciado legítimo.
Toffoli
afastou ainda os argumentos de que a manutenção do intervalo prejudicaria o
acesso da mulher ao mercado de trabalho. “Não parece existir fundamento
sociológico ou mesmo comprovação por dados estatísticos a amparar essa tese”,
afirmou. “Não há notícia da existência de levantamento técnico ou científico a
demonstrar que o empregador prefira contratar homens, em vez de mulheres, em
virtude dessa obrigação”. Seguiram o voto do relator os
ministros Gilmar Mendes, Celso de Mello, Rosa Weber e Cármen Lúcia.
Divergência
Divergiram
do relator, e ficaram vencidos, os ministros Luiz Fux e Marco Aurélio. Para
Fux, o dispositivo viola o princípio da igualdade, e, por isso, só poderia ser
admitido nas atividades que demandem esforço físico. “Aqui há efetivamente
distinção entre homens e mulheres”, afirmou. “Não sendo o caso, é uma proteção
deficiente e uma violação da isonomia consagrar uma regra que dá tratamento
diferenciado a homens e mulheres, que são iguais perante a lei”. No mesmo
sentido, o ministro Marco Aurélio afirmou que o artigo 384 “é gerador de algo
que a Carta afasta, que é a discriminação no mercado de
trabalho”. Os dois ministros votaram no sentido de dar provimento ao recurso
para reconhecer a inconstitucionalidade do artigo 384.