Por Clóvis Gonçalves
Sexta-feira Santa em Salvador garante, quase sempre, um almoço embebido em dendê. Com vatapá, farofa, abará e camarão seco, por vezes um caruru completo é posto à mesa de vários baianos durante a data religiosa. Engana-se, no entanto, quem acredita que a tradição é seguida por todos “a ferro e fogo”.
A Sexta-feira da
Paixão, como também é chamada a data simbólica na doutrina cristã, encoraja a
abstenção da carne vermelha por parte dos fiéis, como forma de jejuar em
respeito ao sacrifício feito por Jesus na crucificação. E é aí que a comida com
dendê entra na história do feriado, pelo menos na Bahia. Uma explicação para a
popularização do consumo de comida baiana na Sexta-feira da Paixão é que a
maioria dos pratos não possui carne vermelha, já que os frutos do mar são a
principal fonte de proteína destas receitas, então elas se tornaram
alternativas mais que bem-vindas para compor o cardápio daqueles que celebram a
data.
Há
também outra versão para justificar essa prática: a importação de crenças e
hábitos alimentares da África Ociental, região que engloba países com
influência direta na história de Salvador e do Recôncavo, como Nigéria, Senegal
e Guiné-Bissau. Ao Metro1, o professor da Escola de Nutrição e do Programa de
Pós-Graduação em Antropologia da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Vilson
Caetano explicou a ligação. Durante o período de colonização, os africanos
foram obrigados a cumprir os gostos do catolicismo português, inclusive,
segundo o antropólogo, a aderir a obrigatoriedade de não consumir carne às
sextas-feiras e dias santos, como Natal, Corpus Christi, entre outros. O
professor explicou que, mesmo assim, quando eles começaram a elaborar “comidas
para fazer memória da morte de Jesus, fizeram a partir do seu sistema
culinário”.
“Os
africanos que estavam no litoral se beneficiaram com o que estava disponível
nos mangues, mares e rios, criando uma alimentação profundamente ligada às suas
tradições com a predominância do azeite de dendê e outros produtos como a
pimenta, gengibre e o coco”, afirmou Vilson Caetano. “O que assistimos na Sexta-feira
da Paixão nada mais é do que uma grande celebração africana. Eles não acreditam
na morte nem como passagem, nem como fim e sim como continuidade. Está se
rememorando a entrada de Jesus no mundo dos antepassados e isso é feito com
comidas de azeite e bebidas”, acrescentou. (Informação do Metro 1).