quinta-feira, 8 de junho de 2017

SALVADOR: TRAFICANTES ATERRORIZAM MARECHAL RONDON E CASAS FICAM COM MARCAS DE TIROS

Por Clóvis Gonçalves
Com pistolas, eles são os donos da rua, ninguém ousa sair de casa. “Olha aí, Coroa, nós estamos na área dos alemães”, diz um dos rapazes do vídeo, enquanto caminha em território inimigo. “Mostra a cara, p*”, grita outro jovem armado do bonde em busca dos rivais. A gravação, que circula nas redes sociais, foi feita há menos de 30 dias na Rua Villa Lobos, mas há três meses que a rivalidade entre duas facções tem levado pavor a moradores e comerciantes do bairro de Marechal Rondon, em Salvador.
Isso porque, desde o início de abril, chegou ao fim na região a relação tolerável entre duas das maiores facções do estado, Comando da Paz (CP) e Bonde do Maluco (BDM), que garantia uma sensação maior de segurança em Marechal Rondon, bairro predominantemente residencial que faz fronteira ao norte com Pirajá e Conjunto Pirajá, a oeste com Plataforma e Lobato, a leste com Brasilgás e Campinas de Pirajá e a sul com São Caetano.
Foto: Divulgação/SSP
“Para evitar as ações da polícia, que prejudica os negócios, os líderes acordaram que um não invadiria o espaço do outro. Mas o que aconteceu há três meses pôs fim à trégua de quase um ano, quando o BDM chegou com toda força”, contou um policial militar que mora no bairro. 
A fronteira entre os dois domínios das facções é a Rua Villa Lobos, território dominado pelo CP, sob o comando Igor Mateus da Silva Conceição. É lá onde parentes de Igor moram. O vídeo que circula nas redes sociais foi feito em abril, quando o BDM "invadiu" o local atrás dele, a mando de Leozinho, um dos líderes do BDM. Como Igor não foi encontrado, os rivais atiram contra a casa dos parentes, um imóvel de dois andares que no dia estava vazio.
O motivo foi o fato de um dos integrantes do grupo de Igor ter sido atacado pelos então “companheiros” na Vila Angélica, localidade do Inferninho, área de atuação do BDM. “A Vila é uma ligação entre a Villa Lobos e a Rua Antônio Teixeira, já no Inferninho. O pessoal de Igor pretendia expandir a área de atuação, colocando uma boca na Vila Angélica, o que provocou a ira do BDM, que abriu fogo contra o integrante do CP”, disse o policial.
Desde então, os confrontos têm sido quase que diários. “Não tem hora para eles brigarem entre si. Os carros e as casas ficam todas com marcas de tiros. As pessoas estão deixando de sair de casa, de até conversar com o vizinho da porta de casa com o medo de balas perdidas”, disse um morador Rua Villa Lobos, que preferiu não se identificar.
“Não temos sossego. É tiro para um lado, tiro para o outro. Aqui virou uma terra de ninguém. Apesar de a briga ser entre eles, e eles mesmos não mexem diretamente com a gente, corremos o risco constante de sermos atingidos por uma bala perdida. Esse é nosso temor”, contou um morador que reside na rua há mais de 20 anos.
“Eram todos meninos. Vi eles crescerem. Agora estão nessa revolta toda. Certa vez, cheguei tarde da noite e fui obrigado a descer do carro na porta de minha casa, porque um dos meninos armados, que fazia a segurança da boca, apontou para mim uma arma maior do que ele. Vi a morte de perto. Logo depois, ele me reconheceu, pediu desculpa e mandou seguir”, complementou um morador, também sem se identificar.

PRISÃ-Os embates entre as facções são confirmados pela Polícia Civil. “Temos realizado o policiamento na área. Estivemos lá ontem (quarta-feira) e anteontem (terça-feira), para evitar que surjam mais homicídios na área. Igor e comparsas já foram presos e a Justiça tem agraciado eles com a liberdade. Eles não estão lá, mas eventualmente tentam restabelecer seu espaço”, declarou o delegado Nilton Tormes, titular da 4ª Delegacia (São Caetano).
O delegado fez referência à prisão de Igor, no dia 19 de abril deste ano. Equipes da 4ª Delegacia prenderam na Rua Villa Lobos cinco pessoas que se preparavam para enfrentar o grupo rival no Inferninho. Com Igor, a polícia encontrou um revólver Taurus, calibre 38, com numeração raspada e seis munições; e uma pistola 9mm de fabricação tcheca, com oito munições. 
No mesmo dia também foram pegos pela polícia Alan Alcântara dos Santos, Bruno Ferreira da Silva, Jéssica Santos Fernandes e um adolescente. “Sabemos da briga entre eles e estamos mapeando tudo, para uma ação mais efetiva na área. A Polícia Civil tem trabalhado, e muito, apertando o cerco ao tráfico em Marechal Rondon, mas em algumas situações ficamos de mãos atadas, porque a gente faz o nosso papel de prender e a Justiça solta”, declarou o agente Darlan de Assis, chefe do Serviço de Investigação da 4ª Delegacia (São Caetano). 
“Já prendemos mais de dez pessoas, mas já foram soltos e eles mesmo já se mataram. Por exemplo, Saddam, Sávio, do Inferninho, e Pé de Diabo da Villa Lobos. O problema existe também por uma falta de estrutura familiar e, com isso, alguns indivíduos preferem andar à margem da legalidade”, complementou Tormes.
SEGURANÇA-Em nota, a Polícia Militar informou que o policiamento em Marechal Rondon, incluindo a Rua Villa Lobo, é feito 24 horas por equipes da 9ª Companhia Independente de Polícia Militar (CIPM/Pirajá) através de radiopatrulhamento (viaturas em rondas) com reforço da Companhia Independente de Policiamento Tático (CIPT)/Rondesp BTS, da Operação Gêmeos e da Operação Apolo. “Essas duas últimas unidades são especializadas e coíbem, respectivamente, crimes contra ônibus e roubos de veículos”, diz a nota.
De acordo com o posicionamento da PM, as guarnições realizam abordagens preventivas a pessoas, veículos e estabelecimentos comerciais, operações e incursões com o objetivo de coibir o cometimento de crimes, apreender armas de fogo e drogas na região.
Por fim, a corporação informa que a população pode utilizar o disque denúncia (3235-0000) para contribuir com informações e subsidiar o trabalho da polícia. A PM disponibiliza ainda o telefone da central da 9ª CIPM cujo telefone é 99611-0299, para receber denúncias, inclusive via WhatsApp.
MORTES NO BAIRRO-De janeiro até o último dia 5, Marechal Rondon registrou quatro homicídios e uma tentativa de homicídio, segundo dados do boletim publicado diariamente no site da Secretaria da Segurança Pública (SSP). No dia 29 de maio, um adolescente de 17 anos morreu na Rua Vicente Celestino, baleado nas costas e na cabeça.
No dia 14 do mesmo mês, Anderson Pereira Costa, 18, foi morto após troca de tiros na Travessa Nossa Senhora da Ajuda. Conhecido na região como Saddam, ele foi atingido por arma de fogo em várias partes do corpo. A polícia investiga a morte de Lucas Lima Nunes, 20, encontrado com um tiro no pescoço no dia 3 de fevereiro, dentro da própria casa, na Rua Nossa Senhora da Ajuda.
No dia 22 de fevereiro, uma menina de 10 anos foi baleada durante uma troca de tiros entre grupos no final de linha. O tiro atingiu a nuca e atravessou o crânio. Ela foi socorrida ao Hospital do Subúrbio. Não há informações sobre seu estado de saúde. 
CRIMES RECENTES-O tráfico de drogas não é o único problema relacionado à violência em Marechal. O caso mais recente aconteceu na última segunda-feira. Uma funcionária de uma banca do jogo do bicho levou uma coronhada porque deixou em casa o celular, objeto de desejo do ladrão. “Ela está apavorada. Não quer voltar a trabalhar”, disse a dona de uma lanchonete na Rua Vicente Celestino, a principal do bairro. Ela testemunhou tudo. “Aqui está demais. Ela apanhou pouco depois de abrir a banca, a rua estava movimenta e o bandido nem aí”, completou a proprietária da lanchonete.
Na sexta-feira, uma dupla fez um arrastão em um ponto de ônibus. Horas depois, dois homens roubaram uma padaria na Rua Vicente Celestino. “Parece que foram as mesmas pessoas”, disse um garçom, uma das vítimas. “Eles levaram meu celular e meu relógio”, contou.
No sábado, outras duas situações aconteceram na rua principal. Um homem armado levou celulares e dinheiro de clientes e funcionários de um bar. Depois foi a vez de três funcionárias de uma loja de utilidades serem vítimas da insegurança. “Elas foram levadas para o fundo da loja por um homem que entrou armado e levou o dinheiro do caixa e os pertences dela”, contou um segurança.(Ibahia)